15 outubro, 2025

Simbolismo em “Primeiros Erros"

Simbolismo em “Primeiros Erros"


Autor: João Americano (João Felipe C. S.)

Muitas músicas utilizam-se de misticismo e simbolismo para atingir diferentes camadas de percepção da sociedade, e existe sempre um grupo pequeno e quase invisível que consegue captar o sentido oculto, e outro grupo é a multidão, que apenas sente a melodia, vibra com o som, mas não entende o que o som está querendo dizer. Primeiros Erros, do Capital Inicial, é uma dessas obras. À primeira vista, parece um som romântico e melancólico mas, em sua essência, é uma confissão espiritual de um ser.

É a canção de uma alma que se cansou da própria condição. Ela não quer mais existir no exílio, quer ascender, ser luz, ser ar, ser sol. Há nisso algo de profundamente religioso e algo luciferino. O mesmo impulso que leva o homem a buscar a iluminação também pode levá-lo à rebeldia e revolta contra a própria estrutura do ser.

Quando o eu lírico canta “meu destino não é de ninguém” há um misto de libertação e arrogância, é uma recusa da obediência, de ser alguém obediente. Esse espírito quer ser livre, mas o preço da liberdade total é o isolamento, a punição divina. É o mesmo dilema do anjo caído: querer ser igual a Deus, mas acabar longe dEle.

Seguindo, “Eu não deixo meus passos no chão” é um símbolo que representa uma semelhança daquele poema cristão, Pegadas na Areia, de quando uma pessoa sonha que está andando com Jesus pela praia e em vários momentos da caminhada ele vê dois pares de pagadas, a dele e de Cristo. Mas nos momentos difíceis da vida, quando ele olha novamente vê apenas um par. E Jesus diz que esses pares são dele, de quando Cristo teve que carregar essa pessoa nos braços. É justamente o desejo humano de ser puro de espírito e alma, mas sabe que no fundo, não é.

O verso “se um dia eu pudesse ver meu passado inteiro e fizesse parar de chover nos primeiros erros” é um momento de reflexão para compreender o momento de redenção. É aquela consciência da culpa e o desejo de ser perdoado, mas sem o reconhecimento da necessidade de um Redentor, Deus. O sujeito quer parar a chuva sozinho, quer se purificar pela própria vontade e é justamente aí que o misticismo revela sua contradição, "o homem quer ser salvo sem ter que se ajoelhar".

“Meu corpo viraria sol, minha mente viraria ar.” Eis o ápice simbólico da música. O corpo, representação da limitação humana, sendo convertido em sol, que simboliza ser um espírito de luz, energia e consciência infinita. A mente, que se arrastava em dúvidas, desgostos e problemas, agora se dissolve no ar, que é um símbolo da liberdade total do espírito. Mas, na sequência, o refrão repete: “Mas só chove e chove.” A ascensão não acontece, o homem quer ser iluminado, mas continua chovendo dentro dele, ou na vida inteira dele.

Esse é o retrato da humanidade que quer ser divina, mas vive cheia de arrependimentos. A humanidade quer o céu mas não aceita o preço de viver no mundo de sofrimento e problemas do cotidiano. Primeiros Erros é um retrato simbólico fantástico da alma humana e luciferina, perdida entre o desejo de pureza e o orgulho da falsa autossuficiência, que deseja a todo momento, estar acima do bem e do mal.

12 setembro, 2025

Piledriver Waltz - Simbolismo Arctic Monkeys

Piledriver Waltz - Simbolismo Arctic Monkeys


Autor: João Americano (João Felipe C. S.)

Piledriver Waltz é o retrato da solidão acompanhada. É a música de quem ama e ao mesmo tempo sabe que não vai dar certo, como se o destino já tivesse escrito a desaprovação antes mesmo do primeiro beijo ou do primeiro "oi". O ritmo lento é quase uma marcha fúnebre disfarçada de valsa, como se dançar fosse apenas a forma mais educada de encarar o fim eminente.

É uma melancolia que não grita e se instala devagar no coração, como uma chuva fina em uma tarde cinzenta de domingo. A letra parece brincar com imagens absurdas, mas é tudo só metáfora para a frustração de um amor que existe e que não encontra espaço para nascer de verdade. Não é falta de sentimento, acaba sendo o excesso dele, e por isso se transforma em um peso profundo e tortuoso que ouvimos, sentimos e cantamos.

Ouvir essa música é como segurar a mão de alguém que amos e que sabemos que ela não vai ficar, ou que logo vai se despedir de forma silenciosa. Constantemente estamos frente a frente com a possibilidade do amor correspondido, mas ele vem cheio de preconceitos, medos e impossibilidades assumidas. E o resultado é sempre o mesmo: o silêncio do quarto depois da porta batida, é a lembrança de algo que poderia ser e nunca foi e é o choro sentimental de alguem que idealizou um romance, mas no fim, nunca amou, só desejou ser amado.

Piledriver Waltz não oferece consolação. Ela entrega o retrato fresco da rejeição silenciosa que mata qualquer relação antes de nascer de verdade. É a sinfonia dos corações partidos que se encontram, mas não se permitem permanecer juntos por idealizações mutuas platônicas.

E por isso é uma música tão bonita, porque ela traduz em melodia o paradoxo de querer e não poder ter, amar e não viver, sentir e não realizar. Um amor que se condenou ao vazio, e uma solidão que se tornou ainda mais profunda justamente por ter provado, de relance, o sabor de ser amado por um milissegundo.

Piledriver Waltz é o hino dos corações partidos e dos amantes platônicos. 

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