22 junho, 2024

As Provas da Existência de Deus segundo São Tomás de Aquino - João Americano

 Título: As Provas da Existência de Deus segundo São Tomás de Aquino

Por: João Americano (João Felipe C. S.)

Introdução

São Tomás de Aquino, um dos maiores filósofos da Idade Média, deixou um legado monumental na junção entre filosofia e teologia. As suas provas para a existência de Deus são marcos do pensamento filosófico que continuam a desafiar e inspirar diversos estudiosos até os dias atuais. Neste artigo, serão abordadas as suas cinco vias argumentativas, discutindo não apenas o que S. T. de Aquino afirmou, mas também a sua relevância para o pensamento contemporâneo.

1. Contextualização Histórica e Filosófica

São Tomás de Aquino, um dos maiores pensadores da filosofia medieval, construiu um grandioso legado que dura até os dias atuais na união entre filosofia e teologia. Sua vida e obra são testemunhos da busca incansável pela síntese entre fé e razão, marcando um período de intensa troca intelectual entre a tradição cristã católica e a filosofia clássica, especialmente a filosofia aristotélica. S. T. de Aquino, inspirado pela rica herança intelectual da Idade Média, desenvolveu argumentos robustos e meticulosos para fundamentar racionalmente a existência de Deus, ou seja, desenvolveu cinco argumentos que se relacionavam com a fé católica e a razão para chegar numa possível lógica para a existência de Deus. Neste artigo, serão exploradas as suas cinco vias argumentativas, não apenas para compreender o que Aquino afirmou, mas também para analisar sua relevância no contexto do pensamento contemporâneo, onde questões de fé, ciência e metafísica continuam a desafiar e a inspirar o debate filosófico moderno.

2. As Cinco Vias

Aquino apresenta cinco grandes argumentos, conhecidos como "As Cinco Vias", que buscam demonstrar a existência de Deus de maneira racional e lógica:

  • Primeira Via: Argumento do Movimento - Tudo o que está em movimento é movido por algo mais. Porém, esse processo de movimento não pode ser infinito regressivamente; deve haver um primeiro motor imóvel que não seja movido por nenhum outro motor (coisa). Esse primeiro motor imóvel é identificado por Aquino como Deus, o qual move todas as coisas sem ser movido.

  • Segunda Via: Argumento da Causa Eficiente - S. T. de Aquino argumenta que tudo o que existe no mundo tem uma causa eficiente que o antecede. Essa cadeia causal de eventos não pode ser infinita; deve haver uma primeira causa não causada que inicie tudo o mais sem ser iniciada por outra coisa. Aqui, Aquino identifica essa primeira causa não causada como Deus.

  • Terceira Via: Argumento da Contingência - É observado que as coisas no mundo são contingentes, ou seja, poderiam não existir. No entanto, se todas as coisas são contingentes, então em algum momento nada existiu, o que implicaria que nada existiria agora, pois algo não pode surgir do nada. Portanto, deve haver algo necessário em si mesmo, algo cuja existência é não contingente, mas essencial. Aquino identifica esse ser necessário como Deus, cuja existência é a causa de tudo o mais.

  • Quarta Via: Argumento dos Graus de Perfeição - As coisas no mundo têm graus de perfeição. Existe um ser que possui a plenitude absoluta de todas as perfeições. São Tomás argumenta que as coisas no mundo têm graus de perfeição e de grandeza. Por exemplo, há coisas que são mais ou menos boas, verdadeiras, justas etc. Por isso, deve-se haver um padrão absoluto de perfeição, um ser que possua a plenitude absoluta de todas as perfeições em um grau infinito. Aquino identifica esse ser como sendo Deus, que é a fonte de toda perfeição no universo.

  • Quinta Via: Argumento do Governo do Mundo - S. T. de Aquino observa que os seres inanimados, como os corpos celestes, agem com um propósito específico, o qual lhes é dado por algo inteligente. Portanto, deve haver um ser inteligente que guia e ordena tudo no universo em direção a seus fins justos. Aquino identifica esse ser inteligente como Deus, que é o governante supremo de todo o universo. 

3. Análise Crítica das Provas

As provas de Aquino têm sido um objeto de importante discussão e crítica ao longo dos séculos. Críticos apontam que os argumentos de São Tomás de Aquino pressupõem certas ideias metafísicas que podem não ser universalmente aceitas. Além disso, argumenta-se que a passagem do pensamento medieval para o moderno trouxe novos desafios à validade dessas provas, especialmente no contexto de uma era cada vez mais dominada pela ciência empírica por meio de métodos.

Um dos pontos mais criticados é a dependência das provas de Aquino na noção de causalidade e movimento, conceitos que foram profundamente reavaliados com o avanço da física moderna. A física quântica, por exemplo, introduziu a ideia de eventos que ocorrem sem causas aparentes (para nós humanos), desafiando a ideia de causalidade linear que sustenta os argumentos de Aquino. No entanto, os conceitos de causalidade e movimento (primeira via) não são necessariamente contraditos pela física moderna. A causalidade quântica e a indeterminação não invalidam a necessidade de um primeiro motor ou causa não causada, mas a nossa compreensão dos mecanismos causais é mais complexa do que se pensava anteriormente.

Outro aspecto frequentemente debatido é a necessidade de um ser necessário ou de um motor imóvel. Alguns filósofos contemporâneos argumentam que o conceito de um ser necessário é uma abstração metafísica que não tem correspondência direta com a realidade empírica. A existência de entidades necessárias é questionada, com muitos sugerindo que a contingência pode ser uma característica fundamental do universo. No entanto, essa visão nos leva de volta à necessidade de uma existência que é a causadora de tudo, cuja existência é identificada como Deus.

Além disso, a Quarta Via, que se baseia na existência de graus de perfeição, é frequentemente criticada por sua subjetividade. O conceito de perfeição varia amplamente entre diferentes culturas e indivíduos, tornando difícil a sustentação de um padrão absoluto de perfeição. No entanto, essa crítica se aplica principalmente à perfeição humana. Quando consideramos a perfeição em todo o universo, percebemos que não conseguimos dimensionar a magnitude de tal perfeição. Portanto, a criação de um universo humanamente perfeito só seria possível por um ser divinamente perfeito (Deus).

A Quinta Via, que depende da observação de propósito e ordem no universo, enfrenta desafios na era moderna devido à teoria da evolução e outras descobertas científicas que explicam a complexidade e a aparente finalidade sem a necessidade de uma inteligência guia. A biologia evolutiva, em particular, fornece explicações naturalistas para a complexidade e a ordem observadas na natureza, o que alguns veem como um desafio significativo à Quinta Via de Aquino. Que essa explicação científica não necessariamente nega a existência de um propósito ou de um ser inteligente. A Quinta Via argumenta que as leis naturais permitem a evolução e a complexidade biológica podem ser vistas como parte de um plano divino maior. Por essa visão, a evolução é o meio pelo qual a inteligência divina realiza seu propósito, estabelecendo um universo ordenado onde a vida pode emergir e evoluir. As constantes físicas do universo, que são finamente ajustadas para permitir a existência de vida, são frequentemente citadas como evidências de um ser poderoso, Deus.

Apesar dessas críticas, as provas de São Tomás de Aquino não devem ser vistas como meras tentativas de competir com explicações científicas, mas como reflexões filosóficas profundas que abordam questões fundamentais sobre a existência e a natureza do ser. Os argumentos de Aquino oferecem uma estrutura lógica para pensar sobre a existência de Deus, que é complementar, e não contraditória, às descobertas científicas.

Além disso, muitos filósofos contemporâneos encontram valor nas provas de Aquino como pontos de partida para discussões mais amplas sobre a metafísica e a teologia. As Cinco Vias servem para novas interpretações que buscam integrar os avanços do pensamento moderno com as tradições filosóficas clássicas. As Cinco Vias servem, até os dias atuais, como fortes argumentos lógicos na busca por Deus.

4. Aplicação Contemporânea

Apesar das críticas, as provas de São Tomás de Aquino continuam a ser estudadas por muitos para o pensamento contemporâneo. Filósofos e teólogos modernos exploram como que esses argumentos podem contribuir para debates sobre ética, metafísica e até mesmo a relação entre ciência e a Igreja Católica. A lógica e a estrutura das provas de Aquino oferecem um modelo lógico para aqueles que buscam integrar fé e razão em um mundo cada vez mais laico.

No campo da ética, os princípios tomistas fornecem uma base sólida para discutir a moralidade em um contexto que vai além dos dogmas religiosos, baseando-se em uma racionalidade compartilhada. As noções de bem, mal e finalidade presentes nas vias de São Tomás de Aquino permitem um diálogo produtivo sobre valores universais e normas morais, servindo como uma ponte entre diferentes tradições culturais e religiosas. Isso é especialmente relevante em um mundo completamente globalizado, onde a diversidade de perspectivas éticas pode ser reconciliada através de um entendimento comum da natureza humana e de seus propósitos.

Em termos de metafísica, as provas de São Tomás continuam a oferecer uma estrutura coerente para abordar questões fundamentais sobre a existência e a natureza da realidade de Deus. Em um tempo onde o materialismo e o cientificismo dominam grande parte do discurso público, a metafísica tomista oferece uma alternativa que não nega a ciência, mas é complementada por ela. Argumentos como a necessidade de um ser necessário ou a existência de um primeiro motor imóvel fornecem uma base para a reflexão filosófica que busca compreender a totalidade da realidade de Deus, incluindo as dimensões espiritual e transcendente.

A relação entre a ciência e a religião Católica é outra área onde as provas de Aquino têm sido valiosas. Em vez de ver a ciência e a religião como adversárias, a abordagem tomista promove um diálogo harmonioso entre as duas. As descobertas científicas sobre a complexidade e a ordem do universo podem ser vistas como uma confirmação da inteligência e do propósito subjacentes que Aquino propôs em suas vias, a existência de Deus. Esse entendimento integrador pode ajudar a resolver tensões entre fé e razão, mostrando que a busca científica pela verdade é compatível com a crença em um Criador racional.

Por fim, a aplicação contemporânea das provas de Aquino reflete uma tentativa contínua de encontrar sentido e propósito em um mundo que muitas vezes parece desprovido de significado. Ao estudar os argumentos tomistas, podemos encontrar uma estrutura que apoie tanto a busca intelectual quanto espiritual, proporcionando uma visão do mundo que é ao mesmo tempo lógica e enriquecedora. Dessa forma, as Cinco Vias não apenas resistem ao teste do tempo, mas também oferecem uma luz orientadora para as complexidades da vida moderna.

5. Conclusão

Em resumo, as provas da existência de Deus segundo São Tomás de Aquino representam um esforço monumental para conciliar a fé com a razão. Seus argumentos continuam a desafiar e inspirar pensadores, oferecendo um fundamento sólido para aqueles que buscam compreender o divino através do prisma da filosofia. Ao explorar essas provas, somos levados a um entendimento mais profundo da teologia medieval e também a reflexões que ultrapassam as fronteiras do tempo.

A contribuição de Aquino não se restringe apenas ao campo da filosofia; suas provas são fundamentais para a própria existência e perpetuação da Igreja Católica. Ao oferecer uma estrutura lógica e racional para a crença em Deus, São Tomás de Aquino fortalece a base teológica da Igreja, proporcionando um alicerce intelectual que sustenta a fé dos fiéis em meio aos desafios contemporâneos. A capacidade das Cinco Vias de sustentar um diálogo crítico e construtivo com as correntes filosóficas e científicas modernas não apenas reafirma a validade da crença religiosa, mas também destaca a relevância contínua da filosofia tomista na defesa da existência de Deus.

Em um mundo onde o materialismo e o relativismo ético são predominantes, as provas de S. T. de Aquino oferecem uma visão coerente e poderosa sobre a natureza da realidade. Elas não apenas justificam intelectualmente a crença em um Criador, mas também iluminam aspectos da existência humana que escapam à explicação puramente materialista. A partir da análise das vias argumentativas de S. T. de Aquino, surge uma compreensão mais profunda não apenas da divindade, mas também da própria condição humana e do propósito da vida.

Portanto, as provas de São Tomás de A. não são meramente teorias filosóficas abstratas; são ferramentas poderosas que fortalecem a fé dos crentes ao oferecer um incentivo racional para a existência de Deus. Elas servem como um ponto de entendimento em um mundo frequentemente marcado pela incerteza e pela dúvida. Assim, ao reconhecermos as contribuições de São Tomás de Aquino, também renovamos nosso compromisso com a busca pela verdade e pela compreensão de Deus, através da razão e da fé que ele tão habilmente uniu em suas provas.

Referências

  • AQUINO, Tomás de. Summa Theologiae. São Paulo: Editora Ecclesiae, 1° Edição.

  • DAVIES, Brian. The Thought of Thomas Aquinas. Oxford: Oxford University Press, 1992.

  • GILSON, Étienne. The Christian Philosophy of St. Thomas Aquinas. Nova York: Random House, 1956.

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